terça-feira, 10 de maio de 2011

A rir por tudo e por nada

Assim que acorda, ela solta uma gargalhada. Um som ligeiramente metálico, que acaba com um “tzzz” a sibilar com o que lhe resta de fôlego. Foi assim desde que soube rir e não precisou de muito tempo para aprender esse truque de magia, para muitos tão rebuscado e improvável como o sol da meia-noite. Aos três meses, quando os bebés usam o choro para obterem o que querem, já ela dominava a questão. Tão natural como respirar, a tal gargalhadinha chamava a atenção e conquistava quem, à sua volta, logo se predispunha a atender-lhe os pedidos. Aquele rasgar de boca, ladeado por duas bochechas brilhantes, o fechar achinesado dos olhos cujas pestanas imensas desafiam a gravidade, é irresistível. Talvez algumas pessoas nasçam para rir, tal como tantas outras o fazem para chorar, agarradas às penas próprias e alheias, ao saudosismo e ao arrependimento. Talvez algumas pessoas nasçam a rir e aquele primeiro grito seja já uma gargalhada disfarçada. Para ela, todos os dias começam com um sorriso. E os nossos dias tornaram-se também muito mais risonhos. Quem me dera que o riso nunca lhe largasse a boca, as bochechas e os olhos, que ali estivesse ainda com o romper dos dentes, com o primeiro dia de escola, com o primeiro amor e todos os dias até ao último. Oxalá mesmo nesse fatídico dia, quando toda a certeza a abandonar, possa ainda sobreviver o som de uma gargalhada.