quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Cara de catano

Não foi um insulto, mas antes um bom dia, como quem diz que faz bom tempo. Bom dia, ó cara de catano, disse ela, 84 anos e a roupa preta a luzir à luz da lareira acesa bem cedo na cozinha. A pureza em pessoa. Não imaculada, que a vida foi dura para isso, mas ainda assim a pureza em pessoa. Nós rimos, vindos de Lisboa e pouco habituados às modas daquelas partes. E ficámos três dias a ouvir histórias de antigamente e de agora, sobre uma família que aos poucos começa a ser mais que um monte infindável de nomes e a adquirir rostos e lugares na árvore genealógica. Também lá estavam os outros tios, numa noite em que quatro irmãos se juntaram com saudade de outros sete. E eu a ver filmes imaginários sobre crescer no campo de uma forma tão diferente da minha.
Enquanto lá estivemos nevou, e de manhã a Nica entrou coberta de branco, ela que é uma gata preta retinta. Gozámos a nossa sorte e os montes de neve como se vivêssemos um milagre. Entre outros milagres que vivemos agora. Comemos bifanas grelhadas à lareira e grelos da horta e bolos feitos com a receita da avó. E voltámos com o carro cheio e as miúdas a rirem desenfreadas no banco de trás. Aos pés da Josefa, suculentos requeijões esperavam a sua hora, e por trás da tranquilidade que ela sempre trás no rosto escondia-se uma suave felicidade.

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